Aterramento em instalações de baixa tensão

Depois do post sobre aterramento em canteiro de obras, recebi uma enxurrada de perguntas sobre aterramento em baixa tensão. Com isso, surgiu a necessidade de escrever sobre esse assunto.

Não vou abordar a parte mais teórica sobre o aterramento, afinal, vamos encontrar bastante literatura sobre isso, a ideia é abordar problemas reais do dia a dia.

Vamos lá.

Aterramento em baixa tensão – Para que serve?

A norma de instalações elétricas em baixa tensão, a NBR5410, tem, como toda norma de instalações, o foco em SEGURANÇA. Logo em seu inicio, a norma define o necessário para garantir a proteção contra choques elétricos, como transcrito a seguir:

5.1 Proteção contra choques elétricos

5.1.1 Introdução

5.1.1.1 Princípio fundamental

O princípio que fundamenta as medidas de proteção contra choques especificadas nesta Norma pode ser assim resumido:

partes vivas perigosas não devem ser acessíveis; e

massas ou partes condutivas acessíveis não devem oferecer perigo, seja em condições normais, seja, em particular, em caso de alguma falha que as tornem acidentalmente vivas.

Deste modo, a proteção contra choques elétricos compreende, em caráter geral, dois tipos de proteção:

a)  proteção básica (ver 3.2.2) e

b)  proteção supletiva (ver 3.2.3).

Até o momento, nada sobre aterramento. Mas, o que são medidas de proteção básica e supletiva?

No item de definições da NBR 5410, encontraremos as seguintes definições:

3.2.2 proteção básica: Meio destinado a impedir contato com partes vivas perigosas em condições normais.

3.2.3 proteção supletiva: Meio destinado a suprir a proteção contra choques elétricos quando massas ou partes condutivas acessíveis tornam-se acidentalmente vivas.

(grifos meus)

Bom, já vimos que precisamos proteger contra choque caso alguma massa fique energizada. Sabe aquela geladeira na casa da minha avó que dava choque? Pois é, não poderia dar choque, algo tem que resolver isso.

Você não ia falar de aterramento?

Estamos chegando lá. Vamos nos concentrar em proteção supletiva agora. Voltando para a NBR5410. Quando eu preciso usar a básica e quando a supletiva?

A resposta é sempre (salvo umas opções, que não vamos tratar aqui 😆 ). Novamente, a norma.

5.1.1.2 Regra geral

A regra geral da proteção contra choques elétricos é que o princípio enunciado em 5.1.1.1 seja assegurado, no mínimo, pelo provimento conjunto de proteção básica e de proteção supletiva, mediante combinação de meios independentes ou mediante aplicação de uma medida capaz de prover ambas as proteções, simultaneamente.

Bom, e como fazemos a proteção a supletiva? De novo, a norma.

5.1.2.2 Eqüipotencialização e seccionamento automático da alimentação
5.1.2.2.1 A precondição de proteção básica deve ser assegurada por isolação das partes vivas e/ou pelo uso de barreiras ou invólucros, conforme anexo B.

5.1.2.2.2 A proteção supletiva deve ser assegurada, conjuntamente, por eqüipotencialização, conforme 5.1.2.2.3, e pelo seccionamento automático da alimentação, conforme 5.1.2.2.4.

Estamos chegando ao aterramento…

Equipotencialização, o que é isso?

A definição da norma diz:

3.3.1 eqüipotencialização: Procedimento que consiste na interligação de elementos especificados, visando obter a eqüipotencialidade necessária para os fins desejados. Por extensão, a própria rede de elementos interligados resultante.

Entendeu? Não? Ótimo, eu também não.

Equipotencializar significa levar todos os pontos que se deseja ao mesmo potencial, evitando que se haja uma diferença de potencial elétrico entre dois pontos qualquer.

Exemplo, uma carcaça de um motor está com tensão (falha no isolamento, por exemplo) e alguém encosta no motor e sofre um choque. Se o motor estivesse equipotencializado com a terra, a pessoa não sofreria o choque, pois estaria no mesmo potencial.

A equipotencializaçao em uma instalação em baixa tensão deve ser feita com as seguintes prescrições mínimas:

  • Todas as massas de uma instalação devem estar ligadas a condutores de proteção;
  • Todas as massas da instalação situadas em uma mesma edificação devem estar vinculadas à equipotencialização principal da edificação;
  • Massas simultaneamente acessíveis devem estar vinculadas a um mesmo eletrodo de aterramento, sem prejuízo de eqüipotencializações adicionais que se façam necessárias;
  • Massas protegidas contra choques elétricos por um mesmo dispositivo, dentro das regras da proteção por seccionamento automático da alimentação (5.1.2.2.4), devem estar vinculadas a um mesmo eletrodo de aterramento, sem prejuízo de eqüipotencializações adicionais que se façam necessárias;
  • Todo circuito deve dispor de condutor de proteção, em toda sua extensão.

Pronto, achamos algo a ver com o aterramento. Condutor de proteção.

Vamos definir o que é isso?

Pela NBR IEC 50 (826) (está cancelada, mas é norma de definição e a ABNT me fez o favor de não substituí-la, então é ela que vamos usar) temos que:

826-04-05 condutor de proteção (símbolo PE): Condutor prescrito em certas medidas de proteção contra choques elétricos e destinado a interligar eletricamente massas, elementos condutores estranhos à instalação, terminal (ou barra) de aterramento e/ou pontos de alimentação ligados à terra.

Finalmente a palavra aterramento.

O que sabemos até agora?

  1. Precisamos fazer a proteção básica e a supletiva;
  2. Proteção básica se faz por isolação das partes vivas;
  3. Proteção supletiva se faz com a equipotencialização e o seccionamento automático da alimentação;
  4. Para equipotencialização preciso interligar as massas e outros elementos condutores estranhos a malha de aterramento de alguma forma;

Ainda não sabemos calcular nada e nem quais os meios corretos para se equipotencializar. Mas, vamos falar sobre seccionamento automático da alimentação.

Seccionamento Automático da Alimentação, o que é isso?

É nesse ponto que está o entendimento do uso do aterramento. E aqui que nós fazemos lambança (é, nós, eu também faço as minhas).

Vamos definir o que é isso? Lá na Nbr 5410, temos:

5.1.2.2.4 Seccionamento automático da alimentação

5.1.2.2.4.1 Generalidades

O princípio do seccionamento automático da alimentação, sua relação com os diferentes esquemas de aterramento e aspectos gerais referentes à sua aplicação e as condições em que se torna necessária proteção adicional são descritos a seguir:

a) princípio do seccionamento automático Um dispositivo de proteção deve seccionar automaticamente a alimentação do circuito ou equipamento por ele protegido sempre que uma falta (entre parte viva e  massa ou entre parte viva e condutor de proteção) no circuito ou equipamento der origem a uma tensão de contato superior ao valor pertinente da tensão de contato limite UL;

Em português claro, algum dispositivo precisa desligar a alimentação antes que uma pessoa sofra risco de vida, em caso de um curto monofásico (entre fase e terra ou fase e massa, visto que, a gente definiu lá em cima que toda a massa está equipotencializada, o que no dialeto de obra a gente diz que está aterrada).

Divagações sobre o que está escrito e o que nós entendemos no mercado

Se você olhar a norma de cabo a rabo, em nenhum lugar vamos encontrar que todos os equipamentos devem estar aterrados. Lá diz equipotencializados. E mais, diz que você precise que em caso de um curto monofásico, o sistema se desligue rapidamente.

E o que nós entendemos? Que precisamos aterrar. Ora, será que apenas aterrar ou fazer de qualquer forma garante o que queremos, que é o seccionamento automático?

Um dos principais problemas quando falamos em aterramento são os conceitos mal entendidos, que se propagam com uma velocidade no mercado, de forma que respondemos automaticamente e não pensamos.

Reforçando, o objetivo da norma é garantir a segurança. Para proteger contra choque elétricos precisamos de proteção básica e supletiva, e a para proteção supletiva precisamos equipotencializar e termos o seccionamento automático da alimentaçao.

Precisamos entender como o aterramento influi no seccionamento automático da alimentação. Vamos lá.

Esquema de aterramento – TT, TN e IT

A NBR 5410 prescreve que três esquemas de aterramento são possíveis, o esquema TN, o TT e o IT. Cada um desses esquemas tem suas características, e os dispositivos que adotamos para podermos realizar o seccionamento automático da alimentação.

Como diferenciar?

A NBR 5410 analisa o esquema de aterramento observando de que forma é o aterramento da alimentação (1 letra) e de que forma as cargas estão aterradas (2 letra).

A alimentação pode possuir um ponto diretamente aterrado (o neutro) ou todas as partes vivas isoladas da terra ou aterradas por uma alta impedância.

Se a alimentação estiver diretamente aterrada, então a primeira letra é T, se não estiver, a primeira letra é I.

Vamos analisar rapidamente as alimentações em baixa tensão (em tensão secundária de distribuição) e em média tensão (tensão primária de distribuição).

Para alimentações em baixa tensão, na grande maioria das instalações (se não em todas) o neutro da concessionária é multi-aterrado, e normalmente é exigido que na entrada de energia o neutro esteja aterrado novamente, sendo assim, podemos dizer que, praticamente toda a instalação alimentada em BT pela concessionária terá o esquema de aterramento T?.

No caso de alimentação em média tensão, o mais comum é que o consumidor possua um transformador com ligação em delta no primário e estrela no secundário. Com exceção das vezes em que o projetista opta por aterrar o neutro através de impedância ou deixá-lo isolado da terra, para esse consumidores o sistema também será T?.

LIÇÃO NÚMERO 1:

Se na alimentação, o neutro for aterrado, seja no padrão da concessionária (em BT) seja o neutro do seu transformador na subestação (em MT), o esquema será T?.

 

Bom, e a segunda letra?

A alimentação pode ou não estar ligada a terra diretamente, mas a CARGA PRECISA ESTAR ATERRADA.

Voltando lá atrás nesse post:

A equipotencializaçao em uma instalação em baixa tensão deve ser feita com as seguintes prescrições mínimas:

( . . . )

  • Todo circuito deve dispor de condutor de proteção, em toda sua extensão.

826-04-05 condutor de proteção (símbolo PE): Condutor prescrito em certas medidas de proteção contra choques elétricos e destinado a interligar eletricamente massas, elementos condutores estranhos à instalação, terminal (ou barra) de aterramento e/ou pontos de alimentação ligados à terra.

Linha de raciocino utilizada:

Com isso, nos resta definir como fazer esse aterramento.

Temos 2 hipóteses, sendo:

  1. trazer um condutor de proteção da malha de aterramento que faz o aterramento da fonte, ou
  2. criar uma nova malha de aterramento, diferente da malha da fonte, para aterrar cargas.

No primeiro caso, onde a equipotencialização das massas está interligada com o ponto de alimentação aterrado, que é normalmente o neutro, a segunda letra é o N, com isso temos o esquema TN.

No segundo caso, onde as massas estão aterradas, mas não estão ligadas diretamente ao aterramento da fonte, a segunda letra é a T, com isso, temos o esquema TT.

Bom, conseguimos definir e diferenciar o que é o TN e o TT. Ao fim, o post já está maior que eu pretendia, e continuá-lo vai tornar a leitura muito cansativa.

No próximo post, explicarei o que é o TN-C e o TN-S e como o seccionamento automático tem seu funcionamento intrinsecamente ligado ao tipo de esquema de aterramento utilizado.

Ao fim dos post sobre aterramento, espero conseguir esclarecer que medir a resistência de aterramento não garante segurança.

9 respostas

  1. Muito bom. Gostaria de levantar uma questão. Para um prédio sem SPDA e vai ser colocado uma antena de TV . Qual seria o melhor caso? 1) Equipotencializar a antena e assim colocar o potencial de terra no telhado do prédio ; 2) Não equipotencializar e deixar a antena ” flutuando”. Existe uma definição para isso ? Obrigado

    1. Ulisses, de princípio vou te responder equipotencializar. A ausência de Spda significa que julgamos o risco de queda de um raio baixa, mas isso não significa que ele não posso vir a cair. E se isso acontecer, o raio vai achar um caminho, então, melhor facilitar a vida dele. ?

Vinicius Ayrão

Vinicius Ayrão, carioca, apaixonado por energia elétrica, seus conceitos e práticas. Graduado em engenharia eletrotécnica, com pós em gestão de projetos e trajetória empreendedora.

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Conhecimento dividido multiplica!

“Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.” Isaac Newton.

O nosso principal objetivo no blog é dividir e disseminar conhecimentos em instalações elétricas, solar FV, segurança em eletricidade e gerenciamento de projetos. É minha contribuição em reconhecimento a todos aqueles cujos exemplos e conhecimentos me fizeram caminhar na profissão, principalmente a meu pai, o engenheiro Luiz Venancio.